terça-feira, 11 de agosto de 2009

Goiabada

Mamãe fazia goiabada.
Cozinhava, num tacho bem grande, uma porção de goiabas com um bocado de açúcar.
Ficava mexendo, mexendo, horas que pareciam não acabar. Às vezes, eu mexia também. Usava uma antiga colher de pau. A aparência borbulhante da goiabada a ferver parecia a de um rio marciano. Ou a lava do Vesúvio. (Aprendi cedo o que era o Vesúvio, num livro ilustrado que falava sobre Pompeia.)
Como o Pequeno Príncipe revolvia os seus vulcões, revolvia o tacho de goiabada. Quem faz doces controla as forças da natureza. De que outra maneira explicar a transformação daquela fruta sem graça numa delícia de goiabada?
Sim, confesso, eu gostava de goiabada, mas não de goiabas. Era uma relação ambígua.
Gostava, sim, da goiabeira do nosso quintal. A árvore tinha o tamanho exato das minhas ambições de alpinista. Escalava a árvore, colhia as frutas num balde, as frutas iam para as mãos hábeis de mamãe, mamãe operava a transformação. Fazia goiabada. Quase mágica. Uma feiticeira que não metia medo.
Depois, nós nos mudamos, a goiabeira ficou para trás. Sem goiabas, deixou de haver goiabada. O tempo trouxe outros tempos e outras frutas. Afinal aprendi a gostar de goiabas: descobri que, dentro de cada uma, havia um feitiço esperando para acontecer.
O gostoso feitiço dos doces de mamãe.

Foto: um dia em que relembrei minhas peripécias de subir em árvores.

domingo, 2 de agosto de 2009

encanto

“Azuis, os olhinhos buscavam o céu.
- menino saia da chuva!!
A alegria do menino empalideceu até ficar pequenininha.”

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Sol


Brilha!

(Registro feito durante os Jogos Pan-Americanos Rio 2007.)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A Canção Amarela

Via estrelas quando fechava os olhos.

Estrelinhas que não doíam,

embalavam.


Arrepiava suspiros quando abraçava,

dependurando-se,

o galho forte da árvore.


Vibrava sonhos correndo atrás da bola

para platéias invisíveis.


Mergulhava em cores

em piscinas de bolinhas.


Era criança

de olhos fascinados

e pedia ao músico

a canção amarela.



Quando pequeno, meu irmão se encantava com Yellow Submarine dos Beatles e me pedia repetidas vezes para que tocasse a canção no teclado.


Imagem: StarStore

quinta-feira, 30 de abril de 2009

O menino pegou um monte de horas
Amassou,
apertou,
amassou de novo
Enrolou e fez delas um bambolê
Colorido como o arco-íris

Brincou com o bambolê até cansar
E viu que já era gente grande
que as horas os dias os anos tinha passado

O menino apertou o bambolê,
amassou, fez dele uma conchinha,
pequenininha,
botou no bolso
e voltou a ser criança.”

domingo, 12 de abril de 2009

Coelhinho da Páscoa

Pé ante pé
no quarto silencioso
mergulhado no escuro,
avança sorrateiro.

Visitante misterioso
de passos matreiros,
pegadas brancas o denunciam.

Espalha prendas:
ovos coloridos
recheados de fantasia!

Os céticos dizem: – bobagem!
Mas existe bobagem mais bela
que um sorriso de criança?

quinta-feira, 9 de abril de 2009

distâncias

I da paineira a menina
do vento da porteira
das horas vazias
entre abraços e espinhos
horizonte a se estender tímido
na hora em que se aprendeu
a ter medo de voar.

II e ainda hoje,
como porta fechada
no peito
o medo
vem. baixinho
feito ânsia
a lhe tomar a mão
durante o sono
a mostrar que estrelas são altas.


III e desde. aprendeu
a querer e não
a sorrir pra não chorar
e se. engolir o pranto. a mágoa. a vontade.
porque não.
- ontem hoje ou nunca?

domingo, 29 de março de 2009

Arca do Tesouro

Uma criança sentada
no piso atapetado da sala
perde-se em seu mundo.

Encontra-se em seu mundo
de tanto procurar
tesouros enterrados
por piratas caolhos
com chapéus de três pontas.

Uma criança de três cores
brinca compenetrada
pintando seu rosto
com as cores do carnaval
que não chegou ainda
(que nunca foi embora).

Uma filho observa
o pai deitado no tapete
buscando tesouros,
cobrindo-se de ouros,
desfrutando sonhos
que não confessa.

Uma criança descobre
deitada no tapete
uma outra criança
que esqueceu de crescer.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Reconciliação

gosto quando minha criança vem brincar nisso que sou.
vem me ver com olhos de nuvens claras a reger canções em meus ouvidos.
bagunça meus cabelos minhas idéias minhas cores
fere a minha gravidade com sua leveza mansa
me atinge com seus arco-íris suas setas de venenos doces.
afasta minha febre, tece horizontes de sóis em meus olhos
embaralha meus caminhos, me perde os passos as horas os retratos a rigidez
me sopra flores no peito, constrói pontes invisíveis em meus pés. me cria asas.
me invade de vento, me convida, caminha em mim. me enche disso que ontem eu era.
me estende a mão, se reconcilia comigo, me faz toda estradas desejos primaveras.
pinta estrelas em minha face. faz crescer meus olhos para as cores do tempo.
brota em mim como flores. me mostrando que sou. inteira. ontem. hoje.
a criança de outrora.

terça-feira, 17 de março de 2009

Barquinho de papel

O lago, imenso, sereno, parecia um mundo.
Como aqueles mundos distantes dos telescópios e dos sonhos de astronautas. Quieto, misterioso, esperando pacientemente a visita de um explorador corajoso.
O menino olhava para o lago e viajava ali parado. Era melhor do que sonhar. De vez em quando, uma lufada mais forte da brisa encrespava as águas – um mundo adormecido que se lembrava de avisar: “estou vivo!” Ronco do dragão de são Jorge escondido em alguma cratera lunar a sacudir a superfície.
O pai do menino, a poucos metros, dormitava no banco do parque após ter lido o jornal.
O vento que mexia com as águas também atiçava as folhas do jornal. Um caleidoscópio em preto-e-branco de notícias alegres e tristes, mais tristes que alegres. Crianças de rua para quem as folhas do jornal são cobertor, pessimistas para quem as novas da política são o fim dos tempos, desempregados para quem as letras miúdas dos classificados gritam que não há vagas.
O menino já aprendeu a ler, mas, no caleidoscópio de papel, ainda prefere as imagens. Quadrinhos, futebol. Ou personalidades sérias nas quais um bigode desenhado a lápis cairia muito bem.
Mas o menino olhava para o lago. O lago mostrava seu rosto ao menino. No reflexo, os retratos do lago e do menino se misturavam.
Então, o vento. Sem força para arrepiar o menino, mas sacudindo sutilmente o lago. Os retratos na superfície d’água se desmancharam. E o menino se sentiu sozinho.
O mesmo vento, brincando de passar as folhas do jornal largado na relva, desvendou ao menino as páginas do miolo. A capa do segundo-caderno. Cores! Nosso menino não hesitou, também não pensou muito. Com a naturalidade das crianças, a folha do jornal estava em suas mãos. O destaque do dia era para um artista que vivia recluso numa ilha, mas isso não importava muito. Naturalmente, nas mãos do menino, a folha foi dobrada, desdobrada, vincada, dobrada de novo e de novo. Virou um barquinho de papel. Um barquinho de papel frágil e trêmulo, mas que importava? Um barquinho de papel colorido, com uma proa de vermelhos e amarelos e a foto do artista ermitão lá no topo.
O ar se aquietou por um instante, como se carregado por aquela atmosfera solene das grandes inaugurações. Enquanto isso, um gesto fluido e espontâneo do menino lançou delicadamente o barquinho n’água. O barquinho pairou, parecia esperar fogos de artifício ou salvas de canhões que não vieram (até mesmo o dragão de são Jorge repousava, lembrem-se). Então, com o retorno da brisa, o azul do lago se ondulou. O barquinho oscilou, enfunaram-se suas velas imaginárias. E, num caminho de ziguezague, tomou lentamente o rumo da aventura.
O menino olhava para o lago e para o barquinho que se movia. Viajava. Era melhor do que sonhar. Então, antes de se enfadar, o menino se levantou mais uma vez e se afastou do lago: ouvira o ressonar do dragão a lembrá-lo de que estava na hora de vestir sua roupa de astronauta para explorar a Lua.
Quando o pai do menino acordou, o Sol já se abaixava querendo tocar a água. Esfregando os olhos sonolentos, não viu a Lua que surgia do lado oposto nem o menino que brincava. Seguiu os passos do jornal aberto, notícias cinzas espalhadas sobre a grama. E viu, afastando-se em ziguezague no lago, um barquinho seguro de si que aguardava o Sol para deitá-lo em seu colo, enquanto coloria de amarelos e vermelhos a água que ficava para trás.

texto do Edu, barquinho da Dani e inspiração de ambos...