terça-feira, 11 de agosto de 2009

Goiabada

Mamãe fazia goiabada.
Cozinhava, num tacho bem grande, uma porção de goiabas com um bocado de açúcar.
Ficava mexendo, mexendo, horas que pareciam não acabar. Às vezes, eu mexia também. Usava uma antiga colher de pau. A aparência borbulhante da goiabada a ferver parecia a de um rio marciano. Ou a lava do Vesúvio. (Aprendi cedo o que era o Vesúvio, num livro ilustrado que falava sobre Pompeia.)
Como o Pequeno Príncipe revolvia os seus vulcões, revolvia o tacho de goiabada. Quem faz doces controla as forças da natureza. De que outra maneira explicar a transformação daquela fruta sem graça numa delícia de goiabada?
Sim, confesso, eu gostava de goiabada, mas não de goiabas. Era uma relação ambígua.
Gostava, sim, da goiabeira do nosso quintal. A árvore tinha o tamanho exato das minhas ambições de alpinista. Escalava a árvore, colhia as frutas num balde, as frutas iam para as mãos hábeis de mamãe, mamãe operava a transformação. Fazia goiabada. Quase mágica. Uma feiticeira que não metia medo.
Depois, nós nos mudamos, a goiabeira ficou para trás. Sem goiabas, deixou de haver goiabada. O tempo trouxe outros tempos e outras frutas. Afinal aprendi a gostar de goiabas: descobri que, dentro de cada uma, havia um feitiço esperando para acontecer.
O gostoso feitiço dos doces de mamãe.

Foto: um dia em que relembrei minhas peripécias de subir em árvores.

11 comentários:

Luciano Braz disse...

Interessante, de uma maneira simples e corriqueira me prendi nas suas palavras e entrei na sua lembrança! Ahhh quem de nós não se rendeu aos feitiços dos doces da infancia?


Parabéns muito bom seu espaço, voltarei outras vezes !

Abraço
Luciano

Andréa Amaral disse...

Lembrei da minha bisavó fazendo papa de milho, espremendo os caroços do milho ralado, em panos de prato.Inesquecível...até hoje adoro. Mas vou te dar uma receita de suco de goiaba maravilhosa: Bata no "liquidificator" 1 goiaba grande, com 1/2 l de leite, açúcar a gosto , muitas pedras de gelo e depois coe. Perfume e aroma dos deuses. Adorei seu blog. Parabéns.

Noslen ed azuos disse...

tbm me lembrei e até o gosto, sabor, veio até minha lembrança, era criança ainda e a goiabeira, o quintal, as roupas na varal, pés na terra, minhocas e formigas e o carinho gostoso das mãos de doce de minha mãe era minha vida.

abração

ns

Dani Santos disse...

... isso me fez lembrar Rubem Alves... a mágica do alimento, a fome que movimenta, que busca, que faz a transformação. A magia dos tempos guardadas nas palavras doces, nos eternos gostos de infância e saudade.

Adoro tua escrita. estes mergulhos nas valsas do mundo, nos avessos do tempo.

paz pra ti, eduardo. saudades.

Rouxinol disse...

Que lindo!
Assim como o "Sítio das Laranjas", este também me transportou de volta à fazenda da minha avó, em Avaré (interior de SP). Lá o tacho era de doce de leite, leite da fazenda, é claro, e açúcar cristal. Até hoje nunca mais comi um doce de leite como o da minha avó. Era único!
(Eu ainda não aprendi a gostar de goiabas... Será que há esperança?)

Luísa disse...

Doce perfeito cozinhado com afecto de mãe!
A sua descrição é perfeita! Todos passamos por essas horas fabulosas de ver a nossa mãe a preparar o doce com sabor único que saía das suas mãos!
Por cá usa-se o marmelo, e o doce é marmelada.
No dia em que se fazia, o cheirinho de casa mudava...
Belas recordações!

Camila disse...

Edu, que delícia de texto!!! Nos faz lembrar infância e, no meu caso, lembra casa de vó...
Olha só, tem um selo guardado pra você e a Dani, lá no Autores S/A. Beijinhos!!!

Renata de Aragão Lopes disse...

Que lindo!
Uma doce recordação
da infância...

Beijo,
doce de lira

Willa disse...

Eu acho tão bom relembrar essas coisas. Nos faz sentir que existimos de verdade!


Estou seguindo você.

:)Beijos

Daíse Lima disse...

Ah, q gostoso esse post!!!
Também vivi isso e quantas vezes queimei a língua... hahahhaa...

AC disse...

Memórias que fazem parte de nós, da nossa construção afectiva...

Bj